14 de dezembro de 2007

Com licença, posso usar tuas palavras?



" ...estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não saber como viver, vivi outra? A isso queria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização interior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro. "



LISPECTOR; Clarice

Introspecção

O que mata uma pessoa?

7 de dezembro de 2007

Roubo Consciente

Distraída em frente ao computador, a menina digitava entretida com novidades, fofocas, risadas momentâneas. Tirou o fone do ouvido – que a separava do resto do mundo – por ter tido a impressão de escutar algo. Lembrou ter deixado a porta que ligava sua cozinha aos fundos de sua casa aberta. Pensou ainda que podia ser nada, mas como sua mãe já havia advertido resolveu ir trancá-la. Olhou para os dois lados do pátio pra ver se não achava algum movimento estranho, mas nada. Trancou a porta e saiu pensando e rindo. “Imagina se ele já tivesse entrado aqui, e eu o tranquei do lado de dentro”. Mal sabia a menina que seu maior inimigo já estava ali dentro desde o princípio – ela mesma.

6 de dezembro de 2007

Já levanta com o rosto de cansaço, usado pelo tempo, herói da minha vida. Mãos gastas pelo trabalho, pele de pergaminho contando histórias inesquecíveis presas no passado - ou passados, secretos. Depois de horas sobre a cama, sem descansar um olho, quanto mais dois, decide levantar e ir aprontando o caminho para os outros pisarem. Café preto feito tinta.
- Como consegues, pai?
- Costume, costume. Tu começas a gostar do amargo.

29 de novembro de 2007

Vem pra essa Avenida

O que se fazer quando se quer algo que não pode se ter? Eu sei, eu sei, é muito normal de se falar isso. Mas eu digo querer algo que não é comum, não é palpável, muito menos está a venda no mercadinho da esquina. Atenção. Ensina-se em escolas que a soma dos catetos ao quadrado é igual a hipotenusa ao quadrado, que Napoleão era considerado louco por sua vontade de conquista e que transitividade não pode ser direta e indireta ao mesmo tempo. Falta vocabulário para ensinar que não deve-se se jogar em um rio antes de saber sua profundidade. Nem que se tu te mexeres muito rápido poderás ficar tonto. Mudem essa postura de inibir a mente de uma criança. Quem definiu que verde não combina com roxo, amarelo e marrom? Deixa ser, como será. Aquela cabeça virar carnaval, afinal ela deverá passar o resto da vida presa àquele corpo que não voa no ritmo dela. Deixa o confete misturar com a comida para tudo virar festa ao entrar naquele corpo. Põe em exposição pensamentos e sonhos sem cobrar nada em troca - e no final, acaba-se tendo o que não se queria, de uma maneira totalmente diferente.

25 de novembro de 2007

Dias Comuns... II

- Nós nos divertimos, não é?
Em um ambiente de luz plena, confortante como casa - por mais que não me pertencesse - e a música da rainha quebrando o silêncio do lugar, Cássia Eller e sua Luz dos Olhos.
- Muito.
- Lembra como nós íamos para o parque e achávamos potinhos para brincar fazendo bolos de areia? Será que eles ainda estão lá? No meio dos arbustos...
- Claro que não, né?! - somente as lembranças.
- Tu andavas naquele brinquedo que girava, girava, girava e eu não acompanhava, pois só de olhar ficava tonta. Bleh!
Sorria, o que mais faria? Lembranças vivas, fotos com movimentos, cores e sóis.
- Eu descia as escadas do colégio e olhava no horizonte e sempre lá estávas, sentadinha, me esperando.
- E tu querias tua mãe...
- Eu sei.
- Chorava, mas o que eu podia fazer? Só ficar do teu lado.
Com os olhos cheios de lágrimas, me resumi ao silêncio de minha boca e a multidão desgovernada dos meus pensamentos.
- Nós nos divertimos, não é?
Ambas em pé, o som era outro, o clima também. Abraçadas, rítmo a rítmo, coração com coração, queixos nos ombros, encaixe perfeito.
- Muito.
Ela me ensinou a coragem. Como subir no brinquedo mais alto e não sentir medo, só sensação de poder. Degrau por degrau, madeira, barras de ferro, "isso é proibido" disse a mãe da outra menina. Dito e feito. Criança chorando. Mas ela, ah ela, "sobe lá de novo, dessa vez tu consegues". Ela compartilhou comigo conhecimentos. O dom de observar, uma pincelada, um olhar, um sorriso e claro, como esquecer da casinha do João-de-barro? No alto dos postes de luz, entrada, sala, quarto e cozinha. Sim, ela me ensinou a imaginar.
- Nós nos divertimos, não é?
Insisti em dizer que a amava. Em um momento de fraqueza "eu também te amo, nunca precisei dizê-lo a ti". Eu sei. Tudo que acontece somos nós e nossos pensamentos que proporcionamos. "Tá tudo aqui ó... O resto é balançar os ombros que desce".
Pra que falar em fim? "Não fique triste quando eu não estiver mais aqui". Com olhos nublados e garganda engasgada com palavras, a única coisa que saiu: "Que seja eterno enquanto dure", "Ah, grande Vinícius". Com muito além de convivência, acredito e tenho em minhas mãos o maior tesouro do mundo: o amor de uma avó.

Conjugação Vivencial

Eu jogo
Tu ganhas
Ele canta
Nós vivemos
Vós sonhais
Eles julgam

21 de novembro de 2007

Dias comuns...

- Andei falando com teu pai, não briga com ele. Ele te quer tão bem...
- Segunda vez que falas isso, Vó. O que estás insinuando?
- Nada, ele só me disse que andas indo em lugares.
- Vó, é um bar. Não tem nada demais, tu conheces o pai, se coloca algo na cabeça, não tira nunca. Tá parecendo eu, até...
- Só promete não brigar com ele mais. É que és uma pérola, ou um brilhante... Qual vale mais? Qual preferes ser?
- Prefiro ser Luana.
- Luana, Luana, LUA. Lua crescente, minguante...?
- Cheia.
- Oh, viu, quase fizemos um poema. Olha, o carro chegou, tô atrasada pra aula de pintura. Te amo.
- Também te amo... demais.

Si tu t'appelles mélancolie

Amanheceu e aquela bola gigante já mostrava a cara com sua coroa na cabeça, ia crescendo, todo orgulhoso de sua importância. Nada fazia diferença se Fulana já estava de olhos abertos em meio preto do aconchego do quarto. Levanta como sempre. Passo a passo, arrastado, vagaroso. Toma com cuidado seu café amargo, que de tão quente queima a boca. Hora de sair de casa, enfrentar o mundo, fechar os olhos, seguir a vida. Quem a acompanhava? Fulano, Ciclano, tanto fazia. Sua beleza e apego fugiram por entre seus dedos junto com Marcelo, que de qualquer um não tinha nada.
Fulana vivia algo que não era mais seu, relembrando, revivendo, ressofrendo. A dor que sentia já era amiga de tão constante. Sabia cada fala dele, olhar e o modo que a segurava - como uma borboletinha frágil e colorida. Como o beijo lembrava bala de goma e sua infância - divertida, colorida e macia. Mas sua borboleta interior já era monocromática e o riso que saía pelos olhos, havia desaparecido.
Passou o tempo do trabalho gravando movimentos que não tinham nada a acrescentar na sua vida. Voltou à sua casa. A cama desarrumada da noite mal dormida e o cheiro de alguém ainda pairando sobre o travesseiro. Fulana só não lembrava dos nomes de que ali passaram, como também da cor de seus olhos, cabelos. Somente do gosto amargo da boca, não combinando com o da sua. Tudo era Marcelo. Tudo era sua roupa combinada, relógio no pulso, pulso que não batia mais. Possuía devaneios de se perder em que tempo estava. Passado, presente, futuro. Que futuro? Era despida de sentimento como uma cobra que troca de pele deixando a antiga para trás, dentro de uma caverna, escura, úmida e esquecida. Antes de se machucar com mais um suspiro abafado pela monotonia do dia, foi à cozinha, pegou uma faca e acabou com a história de uma fulana, escrita a lápis, com erros, riscos e amassos.

19 de novembro de 2007

Íris

Sentado nesta praia - que me parece tão familiar entre tantas maneiras - observo meus pés pairando sobre a areia branca em contraste de pureza e cansaço. Sigo a linha do horizonte e me deparo com o mar, sempre tão sozinho em meio da multidão de peixes e humanos, fazendo a ligação entre dois mundos que nunca deveriam se encontrar por motivos de belezas tão distintas. Sua solidão e suas lágrimas de diamante coincidem com meus pensamentos e minhas palavras de pseudo-escritor. Esta folha branca e repleta de esmo grita, chora por pinceladas de vida - meia vida, minha vida. Em meio ao conflito de histórias, sentimentos, desculpas que poderiam ser jogadas naquele livro sem fim, sou invadido por uma quebra de silêncio na bolha em que havia me posto mais uma vez. Olho para a direita e vejo aqueles pés retraindo-se na areia e subo mais um pouco descobrindo joelhos envergonhados escondendo-se atrás da barra do vestido azul-piscina que voava em harmonia com o vento - não mais cortante. Seu rosto? Enigmático. Mas seus olhos, ah seus olhos. Aquele par de olhos era capaz de nocautear o sol.

9 de novembro de 2007

BláBláBlá's

Me chamaram de inconveniente por não aceitar certas coisas e não ficar calada. Esqueceram a parte da inconvenicência que foi aprender a ser inconveniente. De como deve-se se acostumar a baixar a cabeça e absorver informações contrárias às tuas. Não obstante dos ensinamentos de pais, eles cobram a diferença entre seu tratamento e o de restante de uma raça - esquecendo que eles não diferenciam a ti e qualquer outro com interesses maiores. Agora, a inconveniência de ser inconveniente releva qualquer pedido diferenciado a ti (plus) a decepção de não caber no molde feito em suas cabeças ao ver seu filho nascer. É demais, não? Não conseguem conviver com tal desrespeito, sendo tão fácil desrespeitar com pequenas ações e palavras. Talvez até a menininha loira de cachos longos, sempre calada, sempre 'pode ser', que agora se tornou Alguém com personalidade - nem que seja alguma - e thanks god com opiniões formadas, seja o que sonharam. Se ela não segue o livro 'Forme um filho perfeito em três simples passos', talvez seja hora de rever seus conceitos.

6 de novembro de 2007

cada sensación se proyecta la vida

Domingo eu tive a oportunidade de vivenciar uma das coisas mais indiscritíveis até agora - pra mim. Pular de pêndulo me fez pensar em muitos detalhes. O modo de como eu me voluntariei para ser a primeira em meio a tantos homens 'formados'. Essa sede de experimentar que me leva e me perde tantas vezes, é de se estudar. Colocado o equipamento e passado para o lado 'livre' da ponte já sentia meu coração acelerar, já se passava algum tempo desde a última vez que presenciei esse nervosismo. O nervosismo de se jogar 'de cabeça' (seria assim se não tivessem me impedido) em algo. Até ali e mais um pouco era tudo que dependia de mim, faltava literalmente o passo final. O que me libertaria. Estranho foi ter que se desapegar de algo tão concreto, não tenho oportunidade de fazer isso muitas vezes - por ter várias coleções de lembranças e nenhuma coragem de mexer nelas. E ali eu estava, soltando dedinho por dedinho com anseio de abrir minhas asas e voar. Muitos pensamentos em segundos, as vozes abafando, fui. E quem disse que eu queria voltar?
Vento no rosto, raios solares penetrando nos meus olhos, a atmosfera livre ultrapassando o pano que cobria meu corpo - liberdade momentânea. Enquanto a força ainda me embalava de um lado para o outro, me virei para o horizonte e lá estava ele - o Sol. Percebi que posso ter uma brexa paralisada nos meus segundos mas sei que não posso fugir do presente. Em uma sensação de morfina fazendo efeito, fui levada de volta para civilização. Com um sorriso no rosto tirando um peso da alma.

30 de outubro de 2007

Linha da Vida

Aberto o baú de lembranças, o meu quarto foi impregnado por um cheiro de memórias. Aquele cheiro de mofo e de suspiros guardados. O ar tornou-se pesado - mas só momentaneamente. Para cada canto que olhava via um retrato, um texto, um abraço. Cada vez que respirava pensava e desejava que fosse a última vez e parar de lembrar daquele sorriso não seria o bastante. Esquecer as palavras tatuadas em meu corpo e pintadas nas paredes do meu quarto - e porque não, do meu pensamento. Ding Dong. Bate seis horas da noite. É hora de catar tudo espalhado, pouco aqui, pouco no banheiro, pouco no coração e colocar tudo de volta. A noite inicía-se de uma vez por todas, e a linha do pensamento se perde. A consciência desgastada das pauladas da vida, recosta-se em um travesseiro de espinhos. A rosa pousou por lá um tempo e acabou esquecendo sua fortaleza de cuidados para conhecer um mundo de aventuras. Ai, desventurada, volta aqui Rosa. Tira estes espinhos que me machucam, pesam na alma, doem no tato. Tanta lástima para sentir-se viva, seria necessário tanta dor em troca de um amor? Mas pra que tanta pressa? Tenho a noite pra te contar de meus feitos, ao amanhecer nos deslocamos pra outro lado, te mostro as estrelas e te explico suas origens. Entregue-se pra mim novamente, não te farei mal. Estarei em sua vida, em movimento espiral...

20 de outubro de 2007

Paredes molhadas do choro e das lágrimas pelos desaforos escutados naquela casa. Caixotes de segredos apertados, expremidos, trancafiados por motivos desconhecidos. Ama-me, desama-me. Que sentido de palavra preferes? És apaixonada pelo frio ou pelo quente? Faço-me de gato e sapato, viro bagaço pra te ver sorrir. Brilha, brilha, estrelinha que reside no céu de tua boca. Vem ser cadente no céu do meu mundo, mundo da lua... Permanece brilhante que eu te encontro na escuridão de meus dias - até os ensolarados. Sussura em meu ouvido verdades mentirosas e diga-me a cor dos teus pensamentos. Faça-me alegre por mentiras verdadeiras que durem mais de um mês. Peço-te carinho, mas com cuidado, carregava um reizinho na barriga que fugiu junto com as juras, num piscar de olhos - seu espaço ainda existe, vazio. Cai, cai amor, aqui na minha mão. Te toco e te observo como criança e novidade. Deixa-me te aprender, saber detalhes e saber olhares. Deixa o sol se pôr, a hora passar... Não viro abóbora depois da meia-noite, mas se duvidas... deixa estar. Fica mais um pouco, senta no sofá, tome um café, vamos conversar. "Tudo bem? Qual teu nome?"

MET ADE

A meio passo de seu destino quase que final visualiza ele que fez parte de metade de seu passado. Ele que dormia na outra metade da cama, que comia a metade do pão e deixava a xícara de café sempre metade vazia. Dono do meio abraço que recebia todas as manhãs, do meio beijo rápido quase saindo atrasado. Ele estava ali, no meio da rua vindo em direção a ela - que havia se acostumado a se sentir como uma metade do quebra-cabeça, sem encaixe. Aquela confusão de sentimentos, fusão de metades de pensamentos com metades de lembranças. No céu meia lua numa quase-noite que deixava a visão meio difusa, enxergando quase tudo ou quase nada. O homem que quase a enlouquecia com suas meias palavras, quase sem importância. O quase-sorriso repleto de quase-felicidades. Nada disso a importava, um meio olhar quase brilhante tornava de sua metade, uma metade completa e por si, e só...

5 de outubro de 2007

Oi? Tudo bom? Vem sempre aqui? Pois é, eu venho. Venho toda noite escrever em ti, pedaço de mim, com o intuito de prolongar meus minutos e fazer-me imortal.

3 de setembro de 2007

Muita espera pra pouca migalha

Ao procurar tua linha da vida em minha mão, perdeste em meu corpo tua razão. Prazeres vêm de atos, assim como confiança, de palavras - quebradas com estralo, quebradas com um erro, quebradas com algo (não) dito. Ao procurar tuas respostas nas minhas, perdeste o texto com as falas e esqueceste o que fazias aqui. Criança pequena sente medo do novo, mas o que é pequeno quase sempre cresce. E a mente? Ao procurar tua felicidade perdida na minha não encontrada, deixaste em mim o amor inocente. Rosa é rosa porque assim ela é chamada. Toda bossa é nova e ninguém se importa se ela é usada. Todo carnaval tem seu fim.

24 de agosto de 2007

Isoglócia

Tudo na vida tem um par, cada peça do quebra-cabeça tem um encaixe perfeito que torna a imagem – vida – completa. Vive-se à procura dessa peça, à procura daquilo que vá preencher o vazio dentro de cada um, que tenha o molde do abraço, o formato exato do beijo. Pode-se dizer que vivemos em torno disso, procurando ideais e que esse vazio, espaço, lugar, nunca é preenchido com o princípio de irmos atrás e vencer obstáculos por mudanças no cotidiano exatamente para não torná-lo o mesmo. Cair no dia-a-dia, há coisa pior? Manter uma rotina, sem risos e novidades. Clichê de se dizer que se deve sempre dar um gargalhada por dia, cadê a originalidade? O que resta é fazer isso acontecer cada um da sua maneira, com seu jeitinho, com seu suin...

15 de agosto de 2007

Restos e Sobras

Diz-se que o homem é composto de amor, seja feito ou seja fruto. Mas como de costume é analisado rapidamente, superficialmente por olhos cansados já procurando 'coisa' nova a observar. Falta tempo para seguir o sangue em tuas veias que mapeiam teu corpo. Falta tempo para acompanhar teu olhar e fazê-lo ser a razão do meu viver. Falta tempo para guiar a tua mão junto a minha e ensinar a não largá-la enquanto pulamos este buraco negro na tua vida. Buraco negro sem fim, mas até 'sem fim' possui um fim - estarei lá. Sobra tempo entre o final da minha frase e o começo da tua resposta. Sobra tempo do meu caminhar em direção a tua boca. Sobra tempo nos meus dedos que deveriam estar gravando as linhas do teu rosto. Necessito da falta do tempo para tirar a sobra do teu tempo em mim. Necessito dos milésimos dos teus segundos entre meu suspiro de amor e o teu só de oxigênio. Diz-se que o homem é composto de amor, e é.

12 de julho de 2007

veja só, meu camarada...

A doce vida. Aquele dia que o tempo se perdeu e entre a volta para a casa e o sorriso que as lembranças da tarde traziam, veio a chuva para lavar a alma que te fazer correr, finalmente encontrando em casa o conforto, o bolo e o café. O momento que descobriste ao ver o pôr do sol que o futuro que tanto temes é somente o presente daqui um tempo. Volte a duvidar das coisas, a ser curioso. A descoberta aumenta horizontes e traz surpresas inesquecíveis. Volte a se questionar “O que estou fazendo aqui realmente?”. A olhar nos olhos, deixar marcar. Rir não rindo, como a época que usava aparelho fixo. Volte aos bons tempos da inocência.

Lembras daqueles olhos ao encontro do sol? Do cheiro de cigarro mentolado daquele quarto de luz plena; Do barulho que fazia ao comer pipoca no cinema enquanto o silêncio tomava conta dos que prestavam atenção no mocinho que ia dar seu primeiro beijo na mocinha; Ficção. Lembras de ler aquele livro que tanto querias comprar, de respirar a cada vírgula me lendo um trecho que falava de amor de uma maneira irônica e depois adormecer no sofá sem ao menos se importar com o relógio? De como ele era novo e agora ele está na sua estante, remendado com todo cuidado? Lembras das luzes coloridas que piscavam no parque de diversão enquanto o algodão doce era feito? Lembras daquele dia? Ah, aquele dia. Lembras? Aquele dia que esquecerias se não foste esta linha para te lembrar. Como não lembras?

Volte a guardar coisas. Guardar sentimentos, aquilo, amores, lembranças como asas de borboletas – com todo cuidado - dentro do caderno que é marcado com um versinho escrito a caneta azul desbotada. Armazene no coração essas coisas e coisas que somente cabe ao coração armazenar. Essa marca no seu joelho que um dia já foi uma ferida, que sangrou e ardeu, mas que agora é só mais uma cicatriz em meio de tantas outras. Tantas outras que te pertencem cada uma com sua particularidade. Não as esqueça, elas fazem parte do teu passado. Volte aos bons tempos de se machucar, se arriscar, de quebrar vasos com a bola de futebol. Volte aos bons tempos, e se tiveres sorte, permaneça lá...

3 de julho de 2007

Coincidências e Confirmações

Era noite, na verdade era quase de manhã, o rei do dia - o sol - vinha iluminando as ruas úmidas do sereno, colocando cor e criando sombras. Vinha transformando o céu: antes uma imensidão negra, agora tons de laranja avermelhado, ou vermelho alaranjado - sempre gostei de "ous" e "talvezes". Estávamos no sofá sentadas conversando sobre as coisas mais banais. Eu, queimando milhões de neurônios para responder as perguntas que vinham quase de dentro do meu ouvido. Elas ecoavam, pois de alguma maneira já viviam dentro de mim. Aquele cigarro em minha mão queimava rápido, tão rápido que o tempo que gastava estando na minha boca não era suficiente para eu poder pensar numa resposta plausível. Acabava que respondia com outra pergunta. Ela, sempre tão calma, fazia parecer que cada palavra que saía de sua boca era de chumbo, de tanta certeza que havia nelas. Eu tentando me desvencilhar daquela parede em que ela havia me posto, mesmo cada vez mais gostando de estar nela - ainda que cada palavra soasse como uma facada, cada suspiro fizesse minhas pernas tremerem e cada tentativa de aproximação me custasse uma gota de suor. Estava virando parte daquele ambiente, mas já diziam antes: "Molduras bonitas não salvam quadros ruins". Aquela rachadura ao meu lado aumentava mais e mais. Ia se aprochegando para perto de mim, dividindo minha cabeça em dois hemisférios desconhecidos - estava disposta a explorá-los. Medo eu não sentia. Portanto ela também não. Sua voz, rouca, em nenhum momento se mostrou trêmula como meu coração. Coração de gelatina. Pouco importava, aquela confiança me mostrava o caminho, que não era nem pra direita nem para a esquerda. Era exatamente no meio. O nosso caminho - e somente nosso. Mostrava que não devíamos seguir as regras do jogo, se as nossas - aleatórias que só elas - eram tão mais divertidas. O tabuleiro virara, um copo de realidade tivera sido derramado e estremessera meu castelo de cartas de baralho. Burra havia sido eu que achara que não teria problema em ter o Coringa como base, ele que sempre foi tão egocêntrico. Me enganara, convencendo o Valete, o Rei e até a Rainha - minha Rainha - a irem descobrir o que havia para longe do meu reino. O castelo caiu - e caiu durante um dos milhares de seus suspiros daquele amanhecer.

28 de junho de 2007

Frustração

Ele estava falando. O telefone tocando. Promessas falsas. O cachorro latindo. Meu Deus, ele estava indo embora. O telefone tocando. Ele parou. Esperando que eu falasse algo. Não conseguia falar. Que culpa eu tinha? Seu rosto expressava algo. Eu não sabia bem o quê. O cachorro latindo. Ele ia em direção ao carro. A droga do telefone tocando. Ele fez menção de falar algo, hesitou. Eu parada. Retomou, disse que seria difícil. Promessas falsas. Ele tirou a chave do bolso. Eu parada. Cada passo se arrastava. O tictac do relógio cada vez mais alto. O telefone parou. O cachorro continuava a infernizar. Corri. Sem nem me importar se tinha pisado nas margaridas que tanto cultivei. Parei centímetros de seu rosto. Na verdade, nossos narizes quase se tocavam. Essa distância poderia ser medida por milímetros e sentida por oceânos. Me abraçou. O tictac de repente parou. Senti algo escorrendo meu pescoço - lágrima ou nervosismo? "Eu te amo". Promessas falsas. O larguei. Ele também não me prendeu. Que culpa eu tinha? Acabei me afogando naqueles oceânos. Pelo menos o cachorro não latia mais...

26 de junho de 2007

Mots...

Depois de tanto tempo sem olhar aqueles olhos – duas pupilas pretas de uma profundidade absurda – ousou mexer a boca para tentar colocar para fora aquelas palavras que já tinha decorado de tanto passarem como letreiros em sua cabeça. Não saíram, fugiram. De repente a armadura do cavaleiro feita de metal passou para um simples e fino tecido que moldava seu corpo. Os braços fortes já não tinham força para segurar a espada e se defender do que poderia vir. Acabou rendendo-se. Rendendo-se àquele sorriso inocente, onde ao mesmo tempo reside certa maldade. Já conhecia aquela boca, e como! Lembrava de ficar olhando, admirando enquanto a dona dormia. Decorando cada cantinho, o modo como se retraía em momentos de nervosismo e por conseqüência formava uma covinha no lado direito de sua face – mas só uma, o que a tornava mais única. Mas não adiantava, aqueles olhos sempre acabavam por ser a mira de seu olhar. Maldita curiosidade que não o deixava dormir por não entender o porquê de formar um franzidinho do lado deles ao sorrir. Tantas lembranças que ela aparecia, com o seu rosto estampado em cada ponto de interrogação na sua cabeça. Agora ela estava ali, na sua frente, e ele se sentindo nu devido a força de seu olhar. Ela o abraçou depois de fitá-lo por esses segundos que pareciam horas. E aquelas palavras que se sentiam na obrigação de sair, se acalmaram...

25 de junho de 2007

(revira)volta

Muito bem podia continuar ali sentada, bebendo seu café rotineiro. Mas não hoje, hoje necessitava mudar. Levantou-se num giro só, pegou seu sobretudo preto e saiu de casa, sem ao menos se importar se os fios de seu cabelo moreno e comprido estavam no lugar. Nevava lá fora, mas pouco importava, que vento gelado poderia machucar seu coração já petrificado? Ouviu a portar bater, que satisfação sentiu. Cada passo para longe era menos um peso na suas costas, na sua cabeça que parecia mais uma infinidade, que tanto espaço tinha para caber cada vez mais pensamentos? Deu o primeiro passo para dentro da estação, parou, observou. Imaginava o que cada pessoa pensava, seus deveres, o que tantos olhares vagos estavam vendo. Continuou a caminhar, sempre em direção a algo. O que, não sabia ao certo. Entrou no metrô, pela primeira vez reparou que na janela do lado do seu lugar, o lugar que sempre sentava, estava trincado. Reparou o amor entre o casal de velhinhos sentados à sua frente. Reparou que o menininho tinha uma mancha na sua mochila. Imaginava o porquê de tudo aquilo. Notou a música do momento, "Quelqu'un M'a Dit", logo ela que sempre gostou de francês, aquelas palavras retumbavam na sua cabeça "...dizem que nossas vidas não são grande coisa, que passam em um momento...". Em meio de seus pensamentos, ouviu a gravação dizendo que haviam chegado em uma das paradas, pensou em se levantar, mas hesitou. Talvez o próximo ponto poderia trazer alguma novidade, algo diferente. Virou-se para a janela e resolveu memorizar tal paisagem, tudo branco, tudo neutro. Engraçado como branco sempre havia lhe dado idéia de grandiosidade. E ficou ali, observando, visualizando casebres até eles se tornarem pontinhos minúsculos. Deparou-se com um sorriso nos lábios, enfim livre - talvez livre. O que a próxima parada traria? Que olhos ela enxergaria? Encontraria nos de alguém as respostas da perguntas ainda não formuladas? Bastava esperar, esperar ansiosamente. Esperar, mas... qual seria o momento certo para arriscar? Aquele pé atrás adora sempre aparecer nas horas mais inoportunas. Acabou que chegou na parada final, e pegou o metrô de volta. Já era noite, mas o branco das ruas iluminavam de alguma forma o caminho. Vinha olhando para o chão. Pegou sua chave no bolso e lembrou de quando havia comprado aquele chaveiro de bola oito - "era pra trazer sorte", pensou ela. Olhou em direção a porta e lá estava ele, com cara de tresnoitado, os olhos fixos na carta que tinha nas mãos. Teria esperado demais para descer?